segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Vidinha

Acorda, correria em casa. Vai trabalhar, trabalha, trabalha, trabalha. Nem almoça fora porque não tem dinheiro, come marmitinha, levada de casa.
Trabalha, trabalha, trabalha. Nessa, fica pelo menos 10h longe da filha.
Volta pra casa, cuida de coisas da casa (mercado, louça, roupa, criança, janta, conta). Faz a criança dormir já sem um pingo de paciência. Toma banho, janta.
Volta pro computador para trabalhar. Dorme. Acorda algumas vezes durante a noite para cuidar da criança. E aí começa de novo.
No fim de semana faz uma ou outra coisa mais legalzinha, mas normalmente tem mais compromissos que tempo.
Trabalha pra pagar as contas, mas fica devendo todo santo mês.
Medo. Medo do trânsito, de assalto, de desemprego, de sequestro, de falta de educação, de poluição, de doença, de crise econômica.
Cansaço. Tudo atrasado, devendo pro banco. E ainda tem que ter pique para brincar, para estudar, para transar.

E o pior é que tudo isso, na verdade, é bom. É bom porque pelo menos tem emprego, tem casa com luz e água encanada, tem comida, tem escola, tem plano de saúde, tem carro. Tem até uns pequenos luxos. Não é escrava, não é abusada, não está no meio da guerra, não cata comida no lixo, não está acamada.
Sim, no fundo essa vidinha é boa. Por mais que todo dia pareça que não é. Que não dê tesão. Que não tenha sentido. Que seja nada além de uma vidinha.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Porta número 1, porta número 2 ou porta número 3?



Esse desenho bacana está correndo algumas redes sociais, vindo tanto de mães que trabalham fora quanto de mães que não trabalham. E a palavra da vez é 'escolha'. É uma questão de escolha abrir mão da carreira, de mais conforto, de uma vida social mais ativa, para criar os filhos de perto. E é uma questão de escolha não abrir mão disso tudo, mas estar presente e atenta a eles mesmo assim, tomando as decisões, participando do dia-a-dia da escola, fazendo o tempo juntos ser de qualidade.
É mesmo escolha. Mas escolhas são feitas com as opções e possibilidades que temos nas mãos, certo? Acho o processo de escolha desse caso específico muitíssimo injusto... Olhem bem as opções disponíveis para as mulheres brasileiras atualmente:

CUIDAR DOS FILHOS
A mulher consegue acompanhar de perto a primeira infância dos seus bebês, não os terceiriza para escola ou babá ou avós. Em contrapartida fica à margem do mercado de trabalho, tendo extrema dificuldade de recolocação quando considera que pode voltar a procurar um emprego. Além disso, é discriminada pela sociedade por ser 'vagabunda', 'só mãe', 'ficar em casa sem fazer nada' e 'viver às custas do marido'. Isso sem falar na queda considerável nos rendimentos da família, fazendo com que o estilo de vida caia bastante para manter a mãe 'que não é produtiva'.

VOLTAR AO TRABALHO AO FIM DA LICENÇA MATERNIDADE
A mulher pode voltar ao mercado, ajuda no orçamento doméstico, se mantém competitiva. Mas em troca precisa delegar os cuidados do seu filho a outra pessoa quando ele tem apenas 4 meses de idade, não tem estímulo a manter a amamentação e é interpretada como 'fraca' quando sofre por ficar separada do filho pequeno.


Se eu pudesse escolher MESMO, escolheria ficar com a Julia até ela completar 2 anos de idade, com apoio da sociedade e do Estado. Depois voltar a trabalhar por meio período até ela completar 7 anos, dando início a vida escolar de fato, conseguindo me atualizar e retomar a carreira sem muitos problemas, precisando apenas de dedicação.

Mas isso está longe de acontecer nos próximos anos ou décadas. Aí eu acabo sendo obrigada a 'discordar' do texto dessa ilustração, que diz que algumas mães escolhem a primeira opção "PARA produzir seres humanos melhores", como se uma coisa fosse dependente da outra, como se quem escolheu a segunda opção não estivesse se esforçando para produzir seres humanos melhores ou não se importasse com isso o suficiente.

Reacionária, eu? Me senti ofendida porque não estou 100% certa da decisão que tomei? Não é exatamente isso.

Eu estou 100% certa da decisão que tomei, mas não fico 100% feliz. Apesar de ter decidido passar mais de 10h por dia, 5 dias por semana longe da Julia conscientemente, continuo achando que não é certo mãe e filha terem que passar por isso. Continuo achando que o governo que me fala para amamentar exclusivamente até os 6 meses de idade do meu bebê ser o mesmo que me manda de volta ao trabalho quando o bebê tem 4 meses de idade é um governo absurdo. Continuo amando a chance que a Ju tem de ir para uma escola fantástica, por apenas meio período por dia, e poder ficar na sua casa, com seu pai, durante a tarde, mas ao mesmo tempo continuo tendo MUITO ciúme e inveja dele. Continuo achando que fico sobrecarregada, assim como o Fabio, para tentarmos não terceirizar a educação da Ju, controlarmos a alimentação, o que ela vê/ouve/conhece, rotina, tempo com os pais.

Escolher não é fácil.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

"... e deve ser mantido até a criança completar 2 (dois) anos de idade ou mais."


Daqui pouco mais de um mês, se tudo continuar caminhando como parece que vai caminhar, a Julia estará na categoria "ou mais". Muito diferente da realidade da maioria das crianças do Brasil e de muitos lugares do mundo. E, por ser diferente, trocentas vezes isso tem que ser "explicado" e "justificado" por mim. No médico, no supermercado, no trabalho, na rua, na chuva, na fazenda. Até na porra da casinha de sapê. Como não tenho lá muita paciência ou obrigação alguma de me justificar, uso a recomendação da OMS.

Pronto! É a explicação da autoridade mundial em saúde. Curta, grossa, efetiva. Científica. Mas parece não ser suficiente. A rebatida que eu levo normalmente é "Mas essa recomendação foi criada pela a OMS para os países pobres, onde as pessoas não tem dinheiro para comprar NAN".

Vamos juntos pensar um pouco sobre essa afirmação? Suponhamos que ela seja verdadeira. Então, seguindo esse raciocínio, é oficial o fato de que as crianças de até dois anos ou mais precisam de algum leite. Ou seja, desmamar (do leite que for) antes dessa idade não é bom.

Aí temos 2 opções:

1) O leite feito especificamente para aquela criança, gratuito, que já vem pronto, não precisa ser carregado, não precisa de acessórios, não acaba nunca.
2) O leite de outra espécie (eca!), produzido com trabalho escravo (acredite, as vacas leiteiras não são fofinhas e felizes como os desenhos das embalagens), que custa caro, precisa ser preparado, precisa de acessórios.

E querem me convencer de que a opção 2 é melhor que a 1? De que a opção 1 é apenas para a população carente e foi criada como política de saúde pública?

Moça, você é phyna. E eu prefiro ser pobre.